quinta-feira, junho 19, 2003
Técnicas experimentais e cantores autodidatas
Suely Mesquita
Pesquisa ou inconseqüência? O que é pesquisa?
Sejamos realistas: todos os saberes que existem hoje em dia, poderosos, sistematizados, representantes da "verdade" e da autoridade, devem-se à audácia, iniciativa e infinitos erros dos pesquisadores e autodidatas. Isso se verifica na história da medicina, da física, da antropologia e das demais ciências e também na história da arte, tanto em relação aos processos criativos como aos procedimentos técnicos.
Quanto aos processos criativos, os métodos de pesquisa artísticos são diferentes dos científicos pois, enquanto a ciência se preocupa em estabelecer verdades da maneira mais inquestionável possível, a arte admite melhor a pluralidade, a controvérsia, já que a verdade estética não precisa e não deve ser inquestionável. No entanto, existem métodos de pesquisa em arte. Tais métodos existem porque também na arte existem perigos: o perigo de que o artista se disperse e não chegue a conclusão nenhuma, a nenhuma produção; o perigo de chegar a conclusões fantasiosas, irrealizáveis no plano físico e/ou no contexto histórico, cultural e sócio-econômico; e, sobretudo, o perigo físico que certos experimentos podem acarretar, cujos danos se evidenciam às vezes a tão longo prazo que só são detectados quando já irreversíveis. Assim como há cientistas que morreram de câncer, causado por anos em contato experimental com substâncias radioativas pouco conhecidas, pintores apresentaram sérios problemas pulmonares em decorrência da inalação de substâncias tóxicas contidas em uma nova cor; bailarinos tiveram problemas ósseos em função de pesquisas de movimento; e cantores prejudicaram para sempre suas vozes, também por engano ou ignorância. Não vamos menosprezar os fatos: PESQUISAR É PERIGOSO. VIVER É PERIGOSO. No que tange a aspectos técnicos, é frequente a associação entre artistas, cientistas e outros estudiosos para a pesquisa. No caso específico do canto, a experimentação tem se referenciado, por exemplo, na fisiologia, antropologia, acústica, eletrônica, psicologia, história, técnicas corporais etc., dependendo do objetivo do trabalho.
Técnica e estética
É a escolha estética que exige a sistematização de uma técnica, e não o contrário. Se quero cantar bossa-nova, terei como objetivo aprender coisas diferentes de quem quer cantar rock ou ópera. Isso inclui estilos e também técnicas de emissão vocal diferenciadas. Na minha prática profissional como cantora e professora de técnica, venho lidando principalmente com:
um repertório pop/popular, que usa desde emissões vocais mais pesadas, com mais pressão (rock, funk, disco, samba e outros), às mais leves (baladas, jazz, seresta, reggae etc.)
uso da voz alterada por aparelhos eletroacústicos e eletrônicos, comumente usados em shows e gravações (microfones e sistemas de som, efeitos como reverbs e delays, vocoder, voz sampleada).
os desejos do cantor, muito variados, de uma sonoridade vocal diferente da do canto erudito e muitas vezes suja, agressiva, coloquial, distanciada da pureza e da limpeza do som.
a língua falada no Brasil (embora eu vá levar em consideração o fato de que nós, brasileiros, cantamos freqüentemente em outras línguas, principalmente em inglês.)
As técnicas eruditas, com suas sonoridades próprias, se aplicadas a esse contexto sem nenhuma adaptação ou acréscimo, não servem. Produzem sons e fraseados que não conseguem se adequar a essa realidade estética. Por isso, há várias décadas, desde que o canto chamado popular se profissionalizou e passou a ser socialmente valorizado, muitos cantores, alunos e professores vêm se dedicando a tentativas de sistematização de um novo saber sobre a voz. Formamos grupos de estudo sobre o tema. Trocamos experiências. Procuramos em outros saberes, sobre o corpo e o som, apoio para nossas pesquisas. Cada vez é maior o número de cantores resolvidos a estudar e fazer exercícios vocais sem abrir mão do repertório e da sonoridade que escolheram e da amplificação elétrica.
Apesar das diferenças, todos os cantores eruditos e populares têm algo em comum: o corpo humano. É do corpo que sai o som e a procura do desempenho vocal mais adequado e anatômico tem feito com que técnicas diferentes acabem coincidindo em vários pontos. Isso possibilita, por exemplo, que cantores que usam microfone estudem técnicas eruditas, feitas especialmente para o canto acústico, com bastante proveito. Minhas pesquisas sobre técnica vocal para o canto popular têm se apoiado, nos últimos anos, em três tipos de saber em fase mais adiantada de sistematização: escolas de canto erudito, técnicas corporais de consciência do movimento e o saber médico e paramédico sobre a fisiologia da voz (laringologia e fonoaudiologia). Sinto necessidade destes apoios para evitar ou minimizar os riscos que uma experimentação autônoma e puramente intuitiva acarretaria. Desejo preservar a saúde e a integridade física da minha própria voz. Estas três áreas do conhecimento me fornecem informações complementares.
Desejo estético X integridade vocal
(estilos musicais e esforços correspondentes)
Há um tipo de emissão muito usada pelos cantores populares quando querem punch, quando procuram pressão no som. E não só pressão, pura e simplesmente, mas um tipo de pressão que transmite força física, agressividade ou até um certo esforço. Sonoramente, isso corresponde a uma voz que pode soar forte e rasgada (Elis Regina, Fagner, Elba Ramalho), ou "suja", rouca, não purificada (Janis Joplin, Elza Soares, Cássia Eller). Fisiologicamente, o efeito é obtido por meio de movimentos internos que fazem aumentar a pressão da coluna de ar sobre as pregas ou cordas vocais. De um ponto de vista estritamente anatômico, cantar dessa forma é contra-indicado, pois submete as pregas vocais a um atrito desgastante. Mas o som assim produzido é parte fundamental da estética de certos gêneros pesados, como rock, blues, samba e outros. Além disso, a fala brasileira, com suas vogais abertas, condiciona culturalmente o que nos parece uma forma "natural" de cantar. É decisão particular de cada cantor estabelecer uma dose para esse esforço físico, sabendo desde o início que certas sonoridades ficarão rigorosamente proibidas se ele se impuser o limite de nunca forçar sua voz, nem mesmo um pouco, nem mesmo por alguns instantes dentro de um show. Se o resultado sonoro for mais importante do que a preservação vocal, é melhor saber os momentos em que se está fora do gesto anatômico. Não adianta fingir que não está acontecendo nada e fugir da consciência, para depois ir parar num médico ou fonoaudiólogo, sem voz no dia do show, esperando uma solução instantânea e milagrosa. Aí começa uma discussão muito mais ampla, que é a da relação que vamos estabelecer na vida com nosso corpo físico. Quando fumamos, bebemos, arriscamos a vida em esportes perigosos, optamos por jornadas de trabalho insanas, ficamos sem dormir e comendo mal, muitas vezes achamos que está valendo a pena, que o que vamos conseguir com essas atitudes, em termos de prazer ou resultado, vale o comprometimento do corpo. E podemos perder a medida e cair no chão no meio da jornada. Cada um tem que aprender a se conhecer e decidir até onde deve ir na auto-exigência.
Se já decidi que quero produzir exatamente aquele som, independentemente das conseqüências, de que vai adiantar ficar pensando no esforço que estou fazendo ou no que isso pode custar? Simples: com consciência, vou poder tomar cuidados básicos para minimizar possíveis danos. Não é preciso pensar que é tudo ou nada, ou levo uma vida junkie e não tomo nenhum cuidado, ou adoto uma prática monástica e regrada, sem nunca sair da autodisciplina. Viver pode gastar, mas não precisa destruir.
Como cuidados básicos, quase truques de proteção, posso sugerir:
Não cantar a maior parte de um show com emissão de esforço, anti-anatômica.
Dar bastante atenção à escolha da tonalidade de cada música.
Atribuir caráter interpretativo à emissão tensa, de forma a não precisar que ocorra na música inteira mas apenas em algum momento especial. Ou seja, tentar substituir ao máximo o som meio no grito por um outro que também tenha pressão e punch sem tanta sobrecarga. Dependendo da região em que se está cantando, o resultado será ótimo. Em certas notas, só gritando e arranhando mesmo, ou abrindo mão daquele efeito.
Preservar-se nos ensaios, sobretudo se os outros instrumentos têm muita potência sonora: não repetir várias vezes seguidas a mesma música ou o mesmo trecho, evitar cantar de forma mecânica em ensaios de base, insistir para ensaiar com o melhor retorno possível, evitar cigarros acesos e mofo no local, não começar o ensaio com a voz fria ou com músicas que exijam mais esforço (muito agudas, muito gritadas ou que façam você sentir qualquer tipo de desconforto vocal).
Procurar evitar o efeito cumulativo do esforço. Um pequeno esforço repetido ao longo do tempo é como uma unha passando na pele. A primeira vez não fere, mas depois de horas pode fazer um buraco.
APRENDER A SENTIR SEU LIMITE FÍSICO PRECOCEMENTE, BEM ANTES DE FICAR ROUCO, PARA O QUE É NECESSÁRIO CONHECER E RESPEITAR AS CARACTERÍSTICAS NATURAIS DE SUA PRÓPRIA VOZ.
O cantor como dono da voz
Cada um de nós tem em si o germe buliçoso da curiosidade e ele impele à pesquisa. Cada um de nós quer tentar sozinho alguma coisa que sentimos que só nós enxergamos ou compreendemos. Que bom. Mas isso não precisa virar inconseqüência. E o primeiro passo é aprender dos erros dos outros, ou seja, evitar pesquisar sozinho, sem apoio. Por exemplo: se já sei que, antes de mim, um cientista morreu por se expor sem proteção à radioatividade, não vou começar a mexer com isso sem antes me informar a respeito. Isso não seria pesquisa, mas burrice. Ou preguiça, porque pra saber o que outros fizeram vou ter que ir atrás dessa informação, vou ter que ESTUDAR o que foi feito, tanto de certo quanto de errado, para poder me arriscar só onde for realmente necessário. Outra coisa importante: se quero pesquisar por mim mesma é melhor me dedicar a alguma coisa inexplorada. Não vou ficar igual a uma boba tentando inventar a pólvora. A pólvora já foi inventada e, se eu não sabia disso, a falha é minha. Ou seja: O ESTUDO DO QUE JÁ EXISTE E A PESQUISA SÃO ATIVIDADES INSEPARÁVEIS, UM GERA O OUTRO O TEMPO TODO.
Antes de dizer que não sabe como conseguir a informação, tente, pergunte, não desista muito fácil. Só se deve pesquisar sem apoio quando isso é absolutamente necessário, ou porque não existe mesmo o que se está procurando ou porque não conseguimos de jeito nenhum, por questões práticas, ter acesso ao que existe. Sabendo que, neste segundo caso, estamos fazendo uma pesquisa cujo valor é unicamente pessoal, estamos tentando descobrir a pólvora outra vez, por limitação nossa ou de nossas condições. Paciência. Seria muito melhor ter de bandeja as conclusões de outros, que talvez possam nos cortar caminho. Em contrapartida, quando estamos sendo orientados por alguém mais adiantado, mesmo confiando nesta pessoa e nos entregando a ela, não deixamos de existir como indivíduos, não deixamos de pensar, não deixamos de ter idéias próprias e discordar do nosso mestre. Às vezes a discordância vem da ignorância e, passos adiante no aprendizado, vamos dar o braço a torcer. Às vezes vem de uma diferença legítima e chega o momento em que nos sentiremos impelidos a correr o perigo da pesquisa, indo por lugares que nosso mestre não mandou ou mesmo proibiu. Colaboração e respeito mútuos entre professor e aluno podem tornar o trabalho enriquecedor para ambos.
glossário:
acústica: parte da física que estuda o som e sua propagação. Diz-se também da música que não utiliza aparelhos de amplificação para ser ouvida e depende apenas da habilidade do cantor e dos outros músicos e do eco natural da sala.
antropologia: ciência que estuda os diferentes povos e culturas.
canto erudito: forma acadêmica de cantar, de origem européia. O canto erudito tem vários estilos e técnicas, assim como o popular. A distinção entre o que é erudito e o que é popular nem sempre escapa da polêmica. Entre os cantores profissionais, geralmente o canto popular é amplificado por microfones, enquanto o erudito é quase sempre acústico. A influência do folclore na obra de muitos compositores eruditos e a crescente procura de estudo técnico e teórico entre os músicos populares, sobretudo os profissionais, são alguns dos fatores que tendem a diluir as fronteiras entre essas duas maneiras de fazer música.
cordas vocais: o mesmo que pregas vocais. O termo "corda" vem sendo rejeitado pelos cientistas, pois as cordas vocais não são fios ou cordas como as de um violão.
eletrônica: ciência que estuda o comportamento dos elétrons e a utilização de sua energia em aparelhos variados, inclusive os destinados a amplificação e manipulação sonora.
emissão vocal: produção de som por meio da coordenação entre os movimentos respiratórios e os das pregas vocais, de forma a colocá-las em vibração.
estética: gosto artístico, que determina a escolha de um estilo.
estilo: maneira de fazer. Em relação ao canto, inclui a ausência ou presença de floreios, o timbre vocal e as formas pessoais de interpretar. Em geral cada gênero (samba, rock, tango, funk etc.) acaba por consagrar e tornar tradicionais certas regras de estilo, que o intérprete deveria teoricamente respeitar para ser considerado competente.
fisiologia: parte da biologia que investiga as funções orgânicas, processos ou atividades vitais, como a respiração, a fonação etc.
fonoaudiologia: ciência que estuda, entre outros assuntos, a produção do som vocal e propõe técnicas corretivas do mau uso da voz falada.
fraseado: Recurso de interpretação que consiste em utilizar sons mais fortes e mais fracos, variações de timbre e ritmo, que dão um sentido global a uma seqüência de notas e contribuem para a compreensão de uma frase musical. Entonação.
junkie: palavra inglesa que designa "viciado", usada aqui no sentido de pessoas que não se preocupam com a autopreservação e só querem saber do prazer sensorial imediato, sem medir as conseqüências.
laringe: órgão em forma de tubo, composto de partes ósseas e cartilaginosas, situado dentro do pescoço (o pomo-de-adão), de importante função na deglutição e na fonação. Dentro do laringe estão as pregas vocais.
laringologia: parte da medicina que estuda as funções do laringe, o que inclui os processos de deglutição e fonação.
pregas vocais: par de membranas situadas dentro do laringe que se unem e, impulsionadas pelo movimento do ar na respiração, entram em vibração quando falamos, cantamos, gememos, rimos, choramos etc.
punch: palavra inglesa que significa "soco". Na gíria dos músicos de rock, funk, hip hop etc., quer dizer ritmo vigoroso, que faz dançar, e som pesado, com pressão, alto volume e timbres rascantes.
região: parte da voz (região grave, por exemplo).
repertório: conjunto de canções ou peças musicais escolhidas por um intérprete.
reverb e delay: efeitos de eco quase sempre adicionados eletronicamente às vozes durante shows e gravações, para devolver a naturalidade à voz amplificada pelo microfone.
técnica vocal: conjunto de exercícios que visa aprimorar o controle que o cantor tem sobre a própria voz. O termo designa também o domínio vocal adquirido com a prática.
técnicas corporais: termo genérico que designa vários saberes sobre o corpo e seus movimentos, com maior ou menor embasamento científico. Incluo entre as técnicas corporais ioga, técnica Alexander, antiginástica, reeducação postural global (RPG), técnicas de dança etc, embora alguns desses saberes tenham finalidades globais muito mais abrangentes que o simples aperfeiçoamento postural. Em última análise, a própria técnica vocal é uma técnica corporal.
timbre: sonoridade, cor do som. É o timbre que permite reconhecer a voz de um cantor ou falante.
vocoder: aparelho eletrônico que, acoplado a um microfone, produz acordes (notas simultâneas) a partir de uma única nota emitida por um cantor ou instrumento.
voz sampleada: parte cantada gravada eletronicamente e que passa a poder ser acionada por um instrumento, por exemplo um teclado, o que permite a fácil realização de repetições de grande precisão rítmica.
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br
Suely Mesquita
Pesquisa ou inconseqüência? O que é pesquisa?
Sejamos realistas: todos os saberes que existem hoje em dia, poderosos, sistematizados, representantes da "verdade" e da autoridade, devem-se à audácia, iniciativa e infinitos erros dos pesquisadores e autodidatas. Isso se verifica na história da medicina, da física, da antropologia e das demais ciências e também na história da arte, tanto em relação aos processos criativos como aos procedimentos técnicos.
Quanto aos processos criativos, os métodos de pesquisa artísticos são diferentes dos científicos pois, enquanto a ciência se preocupa em estabelecer verdades da maneira mais inquestionável possível, a arte admite melhor a pluralidade, a controvérsia, já que a verdade estética não precisa e não deve ser inquestionável. No entanto, existem métodos de pesquisa em arte. Tais métodos existem porque também na arte existem perigos: o perigo de que o artista se disperse e não chegue a conclusão nenhuma, a nenhuma produção; o perigo de chegar a conclusões fantasiosas, irrealizáveis no plano físico e/ou no contexto histórico, cultural e sócio-econômico; e, sobretudo, o perigo físico que certos experimentos podem acarretar, cujos danos se evidenciam às vezes a tão longo prazo que só são detectados quando já irreversíveis. Assim como há cientistas que morreram de câncer, causado por anos em contato experimental com substâncias radioativas pouco conhecidas, pintores apresentaram sérios problemas pulmonares em decorrência da inalação de substâncias tóxicas contidas em uma nova cor; bailarinos tiveram problemas ósseos em função de pesquisas de movimento; e cantores prejudicaram para sempre suas vozes, também por engano ou ignorância. Não vamos menosprezar os fatos: PESQUISAR É PERIGOSO. VIVER É PERIGOSO. No que tange a aspectos técnicos, é frequente a associação entre artistas, cientistas e outros estudiosos para a pesquisa. No caso específico do canto, a experimentação tem se referenciado, por exemplo, na fisiologia, antropologia, acústica, eletrônica, psicologia, história, técnicas corporais etc., dependendo do objetivo do trabalho.
Técnica e estética
É a escolha estética que exige a sistematização de uma técnica, e não o contrário. Se quero cantar bossa-nova, terei como objetivo aprender coisas diferentes de quem quer cantar rock ou ópera. Isso inclui estilos e também técnicas de emissão vocal diferenciadas. Na minha prática profissional como cantora e professora de técnica, venho lidando principalmente com:
um repertório pop/popular, que usa desde emissões vocais mais pesadas, com mais pressão (rock, funk, disco, samba e outros), às mais leves (baladas, jazz, seresta, reggae etc.)
uso da voz alterada por aparelhos eletroacústicos e eletrônicos, comumente usados em shows e gravações (microfones e sistemas de som, efeitos como reverbs e delays, vocoder, voz sampleada).
os desejos do cantor, muito variados, de uma sonoridade vocal diferente da do canto erudito e muitas vezes suja, agressiva, coloquial, distanciada da pureza e da limpeza do som.
a língua falada no Brasil (embora eu vá levar em consideração o fato de que nós, brasileiros, cantamos freqüentemente em outras línguas, principalmente em inglês.)
As técnicas eruditas, com suas sonoridades próprias, se aplicadas a esse contexto sem nenhuma adaptação ou acréscimo, não servem. Produzem sons e fraseados que não conseguem se adequar a essa realidade estética. Por isso, há várias décadas, desde que o canto chamado popular se profissionalizou e passou a ser socialmente valorizado, muitos cantores, alunos e professores vêm se dedicando a tentativas de sistematização de um novo saber sobre a voz. Formamos grupos de estudo sobre o tema. Trocamos experiências. Procuramos em outros saberes, sobre o corpo e o som, apoio para nossas pesquisas. Cada vez é maior o número de cantores resolvidos a estudar e fazer exercícios vocais sem abrir mão do repertório e da sonoridade que escolheram e da amplificação elétrica.
Apesar das diferenças, todos os cantores eruditos e populares têm algo em comum: o corpo humano. É do corpo que sai o som e a procura do desempenho vocal mais adequado e anatômico tem feito com que técnicas diferentes acabem coincidindo em vários pontos. Isso possibilita, por exemplo, que cantores que usam microfone estudem técnicas eruditas, feitas especialmente para o canto acústico, com bastante proveito. Minhas pesquisas sobre técnica vocal para o canto popular têm se apoiado, nos últimos anos, em três tipos de saber em fase mais adiantada de sistematização: escolas de canto erudito, técnicas corporais de consciência do movimento e o saber médico e paramédico sobre a fisiologia da voz (laringologia e fonoaudiologia). Sinto necessidade destes apoios para evitar ou minimizar os riscos que uma experimentação autônoma e puramente intuitiva acarretaria. Desejo preservar a saúde e a integridade física da minha própria voz. Estas três áreas do conhecimento me fornecem informações complementares.
Desejo estético X integridade vocal
(estilos musicais e esforços correspondentes)
Há um tipo de emissão muito usada pelos cantores populares quando querem punch, quando procuram pressão no som. E não só pressão, pura e simplesmente, mas um tipo de pressão que transmite força física, agressividade ou até um certo esforço. Sonoramente, isso corresponde a uma voz que pode soar forte e rasgada (Elis Regina, Fagner, Elba Ramalho), ou "suja", rouca, não purificada (Janis Joplin, Elza Soares, Cássia Eller). Fisiologicamente, o efeito é obtido por meio de movimentos internos que fazem aumentar a pressão da coluna de ar sobre as pregas ou cordas vocais. De um ponto de vista estritamente anatômico, cantar dessa forma é contra-indicado, pois submete as pregas vocais a um atrito desgastante. Mas o som assim produzido é parte fundamental da estética de certos gêneros pesados, como rock, blues, samba e outros. Além disso, a fala brasileira, com suas vogais abertas, condiciona culturalmente o que nos parece uma forma "natural" de cantar. É decisão particular de cada cantor estabelecer uma dose para esse esforço físico, sabendo desde o início que certas sonoridades ficarão rigorosamente proibidas se ele se impuser o limite de nunca forçar sua voz, nem mesmo um pouco, nem mesmo por alguns instantes dentro de um show. Se o resultado sonoro for mais importante do que a preservação vocal, é melhor saber os momentos em que se está fora do gesto anatômico. Não adianta fingir que não está acontecendo nada e fugir da consciência, para depois ir parar num médico ou fonoaudiólogo, sem voz no dia do show, esperando uma solução instantânea e milagrosa. Aí começa uma discussão muito mais ampla, que é a da relação que vamos estabelecer na vida com nosso corpo físico. Quando fumamos, bebemos, arriscamos a vida em esportes perigosos, optamos por jornadas de trabalho insanas, ficamos sem dormir e comendo mal, muitas vezes achamos que está valendo a pena, que o que vamos conseguir com essas atitudes, em termos de prazer ou resultado, vale o comprometimento do corpo. E podemos perder a medida e cair no chão no meio da jornada. Cada um tem que aprender a se conhecer e decidir até onde deve ir na auto-exigência.
Se já decidi que quero produzir exatamente aquele som, independentemente das conseqüências, de que vai adiantar ficar pensando no esforço que estou fazendo ou no que isso pode custar? Simples: com consciência, vou poder tomar cuidados básicos para minimizar possíveis danos. Não é preciso pensar que é tudo ou nada, ou levo uma vida junkie e não tomo nenhum cuidado, ou adoto uma prática monástica e regrada, sem nunca sair da autodisciplina. Viver pode gastar, mas não precisa destruir.
Como cuidados básicos, quase truques de proteção, posso sugerir:
Não cantar a maior parte de um show com emissão de esforço, anti-anatômica.
Dar bastante atenção à escolha da tonalidade de cada música.
Atribuir caráter interpretativo à emissão tensa, de forma a não precisar que ocorra na música inteira mas apenas em algum momento especial. Ou seja, tentar substituir ao máximo o som meio no grito por um outro que também tenha pressão e punch sem tanta sobrecarga. Dependendo da região em que se está cantando, o resultado será ótimo. Em certas notas, só gritando e arranhando mesmo, ou abrindo mão daquele efeito.
Preservar-se nos ensaios, sobretudo se os outros instrumentos têm muita potência sonora: não repetir várias vezes seguidas a mesma música ou o mesmo trecho, evitar cantar de forma mecânica em ensaios de base, insistir para ensaiar com o melhor retorno possível, evitar cigarros acesos e mofo no local, não começar o ensaio com a voz fria ou com músicas que exijam mais esforço (muito agudas, muito gritadas ou que façam você sentir qualquer tipo de desconforto vocal).
Procurar evitar o efeito cumulativo do esforço. Um pequeno esforço repetido ao longo do tempo é como uma unha passando na pele. A primeira vez não fere, mas depois de horas pode fazer um buraco.
APRENDER A SENTIR SEU LIMITE FÍSICO PRECOCEMENTE, BEM ANTES DE FICAR ROUCO, PARA O QUE É NECESSÁRIO CONHECER E RESPEITAR AS CARACTERÍSTICAS NATURAIS DE SUA PRÓPRIA VOZ.
O cantor como dono da voz
Cada um de nós tem em si o germe buliçoso da curiosidade e ele impele à pesquisa. Cada um de nós quer tentar sozinho alguma coisa que sentimos que só nós enxergamos ou compreendemos. Que bom. Mas isso não precisa virar inconseqüência. E o primeiro passo é aprender dos erros dos outros, ou seja, evitar pesquisar sozinho, sem apoio. Por exemplo: se já sei que, antes de mim, um cientista morreu por se expor sem proteção à radioatividade, não vou começar a mexer com isso sem antes me informar a respeito. Isso não seria pesquisa, mas burrice. Ou preguiça, porque pra saber o que outros fizeram vou ter que ir atrás dessa informação, vou ter que ESTUDAR o que foi feito, tanto de certo quanto de errado, para poder me arriscar só onde for realmente necessário. Outra coisa importante: se quero pesquisar por mim mesma é melhor me dedicar a alguma coisa inexplorada. Não vou ficar igual a uma boba tentando inventar a pólvora. A pólvora já foi inventada e, se eu não sabia disso, a falha é minha. Ou seja: O ESTUDO DO QUE JÁ EXISTE E A PESQUISA SÃO ATIVIDADES INSEPARÁVEIS, UM GERA O OUTRO O TEMPO TODO.
Antes de dizer que não sabe como conseguir a informação, tente, pergunte, não desista muito fácil. Só se deve pesquisar sem apoio quando isso é absolutamente necessário, ou porque não existe mesmo o que se está procurando ou porque não conseguimos de jeito nenhum, por questões práticas, ter acesso ao que existe. Sabendo que, neste segundo caso, estamos fazendo uma pesquisa cujo valor é unicamente pessoal, estamos tentando descobrir a pólvora outra vez, por limitação nossa ou de nossas condições. Paciência. Seria muito melhor ter de bandeja as conclusões de outros, que talvez possam nos cortar caminho. Em contrapartida, quando estamos sendo orientados por alguém mais adiantado, mesmo confiando nesta pessoa e nos entregando a ela, não deixamos de existir como indivíduos, não deixamos de pensar, não deixamos de ter idéias próprias e discordar do nosso mestre. Às vezes a discordância vem da ignorância e, passos adiante no aprendizado, vamos dar o braço a torcer. Às vezes vem de uma diferença legítima e chega o momento em que nos sentiremos impelidos a correr o perigo da pesquisa, indo por lugares que nosso mestre não mandou ou mesmo proibiu. Colaboração e respeito mútuos entre professor e aluno podem tornar o trabalho enriquecedor para ambos.
glossário:
acústica: parte da física que estuda o som e sua propagação. Diz-se também da música que não utiliza aparelhos de amplificação para ser ouvida e depende apenas da habilidade do cantor e dos outros músicos e do eco natural da sala.
antropologia: ciência que estuda os diferentes povos e culturas.
canto erudito: forma acadêmica de cantar, de origem européia. O canto erudito tem vários estilos e técnicas, assim como o popular. A distinção entre o que é erudito e o que é popular nem sempre escapa da polêmica. Entre os cantores profissionais, geralmente o canto popular é amplificado por microfones, enquanto o erudito é quase sempre acústico. A influência do folclore na obra de muitos compositores eruditos e a crescente procura de estudo técnico e teórico entre os músicos populares, sobretudo os profissionais, são alguns dos fatores que tendem a diluir as fronteiras entre essas duas maneiras de fazer música.
cordas vocais: o mesmo que pregas vocais. O termo "corda" vem sendo rejeitado pelos cientistas, pois as cordas vocais não são fios ou cordas como as de um violão.
eletrônica: ciência que estuda o comportamento dos elétrons e a utilização de sua energia em aparelhos variados, inclusive os destinados a amplificação e manipulação sonora.
emissão vocal: produção de som por meio da coordenação entre os movimentos respiratórios e os das pregas vocais, de forma a colocá-las em vibração.
estética: gosto artístico, que determina a escolha de um estilo.
estilo: maneira de fazer. Em relação ao canto, inclui a ausência ou presença de floreios, o timbre vocal e as formas pessoais de interpretar. Em geral cada gênero (samba, rock, tango, funk etc.) acaba por consagrar e tornar tradicionais certas regras de estilo, que o intérprete deveria teoricamente respeitar para ser considerado competente.
fisiologia: parte da biologia que investiga as funções orgânicas, processos ou atividades vitais, como a respiração, a fonação etc.
fonoaudiologia: ciência que estuda, entre outros assuntos, a produção do som vocal e propõe técnicas corretivas do mau uso da voz falada.
fraseado: Recurso de interpretação que consiste em utilizar sons mais fortes e mais fracos, variações de timbre e ritmo, que dão um sentido global a uma seqüência de notas e contribuem para a compreensão de uma frase musical. Entonação.
junkie: palavra inglesa que designa "viciado", usada aqui no sentido de pessoas que não se preocupam com a autopreservação e só querem saber do prazer sensorial imediato, sem medir as conseqüências.
laringe: órgão em forma de tubo, composto de partes ósseas e cartilaginosas, situado dentro do pescoço (o pomo-de-adão), de importante função na deglutição e na fonação. Dentro do laringe estão as pregas vocais.
laringologia: parte da medicina que estuda as funções do laringe, o que inclui os processos de deglutição e fonação.
pregas vocais: par de membranas situadas dentro do laringe que se unem e, impulsionadas pelo movimento do ar na respiração, entram em vibração quando falamos, cantamos, gememos, rimos, choramos etc.
punch: palavra inglesa que significa "soco". Na gíria dos músicos de rock, funk, hip hop etc., quer dizer ritmo vigoroso, que faz dançar, e som pesado, com pressão, alto volume e timbres rascantes.
região: parte da voz (região grave, por exemplo).
repertório: conjunto de canções ou peças musicais escolhidas por um intérprete.
reverb e delay: efeitos de eco quase sempre adicionados eletronicamente às vozes durante shows e gravações, para devolver a naturalidade à voz amplificada pelo microfone.
técnica vocal: conjunto de exercícios que visa aprimorar o controle que o cantor tem sobre a própria voz. O termo designa também o domínio vocal adquirido com a prática.
técnicas corporais: termo genérico que designa vários saberes sobre o corpo e seus movimentos, com maior ou menor embasamento científico. Incluo entre as técnicas corporais ioga, técnica Alexander, antiginástica, reeducação postural global (RPG), técnicas de dança etc, embora alguns desses saberes tenham finalidades globais muito mais abrangentes que o simples aperfeiçoamento postural. Em última análise, a própria técnica vocal é uma técnica corporal.
timbre: sonoridade, cor do som. É o timbre que permite reconhecer a voz de um cantor ou falante.
vocoder: aparelho eletrônico que, acoplado a um microfone, produz acordes (notas simultâneas) a partir de uma única nota emitida por um cantor ou instrumento.
voz sampleada: parte cantada gravada eletronicamente e que passa a poder ser acionada por um instrumento, por exemplo um teclado, o que permite a fácil realização de repetições de grande precisão rítmica.
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br
Sorvete na testa
Suely Mesquita
Abre a boca! Isso. Agora levanta o pé. Muito bom. Agora põe a mão pra trás e olha pra cima. Tá ótimo, não mexe. Agora olha pro lado esquerdo, abre o peito, põe a língua pra fora, dá um nó na tripa e... canta AAAAAA!!! Muito beeeem!!!!
Ce pensa que eu tô brincando? Tô falando sério. Isso aí em cima podia ser um momento de aula de canto. Ok, eu não vou dizer pro cantor levantar o pé nem dar o nó na tripa, estava fazendo uma gracinha com você. Mas vou dizer coisas muito piores, tipo: solta os joelhos, manda o topo da cabeça pro alto, solta a mandíbula, abre o fundo da garganta, abaixa a base da língua, põe energia na ponta da língua, respira e canta AAAAAAA!!! Tudo ao mesmo tempo, lógico. Ei, volta aqui, não desiste não! Tá pensando que é impossível pra você? "Ih, bobagem. Alguma coisinha podemos fazer", como diz Micura Sarigüê*.
Coisa de louco
Quando você canta ou fala, faz um malabarismo dos diabos, sabia? Geralmente não sabia. Mas faz. Cada gesto da gente no dia a dia põe em ação de forma bastante complexa um monte de músculos ao mesmo tempo, de um jeito tal que se for ser descrito assusta qualquer um. No entanto, a gente faz sem nem pensar e acha tudo simples. Acha simples até o dia que vem um maldito professor de canto e diz candidamente: "tive uma idéia! que tal se você abrir o fundo da garganta?". E eu lá sei onde fica o fundo da garganta, pensava eu nas primeiras aulas de canto, há muuuuito tempo atrás. Aí começava uma brincadeira de esconde-esconde. Estava eu lá cantando um vocalise, um lá-lá-lá qualquer que o professor mandou. Enquanto eu cantava, ouvia as seguintes exclamações desencontradas e estapafúrdias:
- isso! (isso o que, meu Deus, o que foi que eu fiz? pensava eu)
- nããããão! Assim não! (mas eu nem me mexi!)
- solta a mandíbula. (soltei)
- falei solta, não falei abre! (fechei correndo)
- vai lá, solta a mandíbula! (deu um branco, fiquei estatelada, não sei o que fazer)
- ótimo!!! (ótimo???)
- continua assim, muito bom! (meu anjo da guarda, faz com que tudo continue assim, embora eu não saiba tudo o que)
- agora repete igual! (pânico!)
- não, está completamente diferente... (está?)
- novamente: solta a mandíbula aqui nesse ponto, devagar, isso, não canta ainda, sentiu? (NÃO!)
- MUITO BEM! Agora canta assim, com a mandíbula soltinha assim, vamos lá, sem medo, mais voz... (seja o que deus quiser)
- Ótimo! (ah, agora entendi)
- Isso, continua. (ah, bom, então é só fazer assim e...)
- NÃÃÃÃOOOO! (...me ferrar)
- Faz igual a antes, presta atenção, devagar. (ah, desisto, não estou entendendo nada, vou fazer de qualquer jeito)
- Ótimo! Ótimo! Excelente, agora você entendeu (esse cara é louco, meu deus)
Altos. Agora vamos traduzir. O professor do exemplo acima não é louco. Nem personagem de desenho animado. Ele está apenas tentando ser bem sucedido na inglória e hilária tarefa de fazer com que o cantor comande uma musculatura que ele sequer sabe que existe. O bê-a-bá da técnica vocal diz que um cantor deve ter comando voluntário da respiração e aproveitar os ressonadores naturais do corpo (ou seja, ser ouvido e entendido e fazer a voz ter volume sem precisar gritar). Para isso ele deve abrir a garganta, direcionar o som para ali ou acolá (escolas diferentes dizem coisas diferentes), soltar a mandíbula, ter agilidade de dicção e mais fazer coisas específicas para vogais específicas e notas específicas. Claro que se você não é ainda um cantor capaz de fazer tudo isso vai achar que está diante de um mistério total. Tá legal, abrir a garganta, mas COMO ASSIM? Usando algum tipo de aparelho? Usando a força mental? Rezando? Porque esperar que você faça isso por querer, na hora que quiser, ciente do que faz, parece de fato pedir demais a um ser humano.
Calma, tá?
Um bom professor não vai se limitar a dizer a você "faça". Pode criar mil imagens mirabolantes sobre seu corpo, mandar você imaginar que sua mandíbula é um arame preso por um preguinho ou que sua bunda se enche de ar quando você inspira. Por incrível que pareça, isso vai ter algum efeito sobre você. Vai também propor melodias especiais com fonemas especiais em seqüências especiais, mesmo que isso te pareça uma descrição muito chique pra aquelas melodias bobas, irritantes e repetitivas que você deve cantar com uma prosódia ridícula tipo "bababa" ou "bóbóbó". Vai fazer sons prodigiosos e dizer a você que os imite, como se nem desconfiasse que você não vai conseguir imediatamente. Enfim, com a ajuda de Deus, vai mover mundos e fundos e usar todos os seus conhecimentos e imaginação para induzir você a fazer, inicialmente sem querer, alguma coisa que ele possa escutar e dizer o famoso "Isso!" que todos desejamos com todas as forças ouvir de uma autoridade.
O "Isso!"
Não, não é um construto psicanalítico. O Isso! é o momento supremo em que o professor aprova, encoraja e se rejubila com um som que você fez. Mesmo que tenha sido sem querer, também vale. Uma vez obtido o Isso! de seu professor ¾ não pense que já acabou, agora é que vai começar ¾ você deve ser capaz de repetir aquele som e obter outro Isso!. Repeti-lo em seguida, repeti-lo várias vezes, e daqui a pouco, e no dia seguinte, e na semana seguinte, e pro resto de sua vida na hora em que quiser. É, porque não vale pra sempre o som que se fez sem querer.
Aqui entramos no segundo passo:
Você já obteve um Isso! de seu professor :)))))
Mas não sabe o que fez para tanto :((((
E agora?
Você logo vai perceber que um Isso! obtido sem querer é um fenômeno muito fugaz na nossa vida. Você nem sabe o que fez pra merecer aquele instante de glória e agora já passou! Então, abra bem os ouvidos e preste também atenção nas sensações físicas enquanto canta. Sobretudo as sensações que se relacionam com o que o professor falou antes, ou seja, se ele disse "solte a mandíbula", preste atenção nas sensações em áreas próximas à sua mandíbula, ora pois. De ouvidos e sensações abertas, siga em frente até obter novo Isso!. Veja o que pode captar sobre esse momento divino: guarde a lembrança daquele som, daquela sensação ínfima que você achou que não significava nada. E siga em frente. Se os Issos! forem se sucedendo cada vez mais rápido, é porque está quente! Se não, é porque está frio.
Digamos que está frio. O que fazer? Siga as sugestões que recebe. Vá fazendo, mesmo que não entenda bem o que deve fazer. Pergunte, se for o caso, mas não ao ponto de transformar a aula numa conversa. O que você vai perceber ou entender numa conversa não vale grande coisa pra hora de cantar, sinto muito informar. Portanto, cante. Mais cedo ou mais tarde o professor se manifesta, grunhe, ou solta o famigerado Isso!.
Digamos que está quente. Ou seja, os Issos! se sucedem em alta velocidade. Aproveite, preste atenção. Não se iluda, isso não quer dizer que amanhã ou na aula que vem você terá de novo todos esses Issos! Pode ser que eles sumam, desapareçam sem deixar rastros! Mas voltarão. Uma saraivada de Issos! tem grande valor.
Issos! e Aquilos
Esqueça agora o professor. O que você acha de tantos Issos!? Está gostando do som? Se sente melhor na hora de cantar? As pessoas dizem que você está melhorando? Você canta por mais tempo com conforto e consegue fazer coisas que não conseguia antes? Não fica rouco com tanta freqüência ou nem fica mais rouco? Está conseguindo aprender o que queria? Se nem tudo isso merece um sim como resposta, converse com seu mestre-com-carinho, com alunos dele, com outros professores, com outros cantores e tente entender porque a aula não está indo pra onde você queria. Pode ser que seja questão de tempo. Se você escolheu um professor que parece bom e/ou foi recomendado, sugiro que experimente ficar com ele por pelo menos 20 aulas, sobretudo se você é iniciante. Mas também pode ser que esse professor não seja bom ou simplesmente não combine com você (ou você com ele) e nesse caso é melhor procurar outro.
Agora se, em relação às perguntas anteriores, você acha que sim sim sim, está tudo indo de vento em popa, dê um Isso! a seu professor! Ele merece!
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br
Suely Mesquita
Abre a boca! Isso. Agora levanta o pé. Muito bom. Agora põe a mão pra trás e olha pra cima. Tá ótimo, não mexe. Agora olha pro lado esquerdo, abre o peito, põe a língua pra fora, dá um nó na tripa e... canta AAAAAA!!! Muito beeeem!!!!
Ce pensa que eu tô brincando? Tô falando sério. Isso aí em cima podia ser um momento de aula de canto. Ok, eu não vou dizer pro cantor levantar o pé nem dar o nó na tripa, estava fazendo uma gracinha com você. Mas vou dizer coisas muito piores, tipo: solta os joelhos, manda o topo da cabeça pro alto, solta a mandíbula, abre o fundo da garganta, abaixa a base da língua, põe energia na ponta da língua, respira e canta AAAAAAA!!! Tudo ao mesmo tempo, lógico. Ei, volta aqui, não desiste não! Tá pensando que é impossível pra você? "Ih, bobagem. Alguma coisinha podemos fazer", como diz Micura Sarigüê*.
Coisa de louco
Quando você canta ou fala, faz um malabarismo dos diabos, sabia? Geralmente não sabia. Mas faz. Cada gesto da gente no dia a dia põe em ação de forma bastante complexa um monte de músculos ao mesmo tempo, de um jeito tal que se for ser descrito assusta qualquer um. No entanto, a gente faz sem nem pensar e acha tudo simples. Acha simples até o dia que vem um maldito professor de canto e diz candidamente: "tive uma idéia! que tal se você abrir o fundo da garganta?". E eu lá sei onde fica o fundo da garganta, pensava eu nas primeiras aulas de canto, há muuuuito tempo atrás. Aí começava uma brincadeira de esconde-esconde. Estava eu lá cantando um vocalise, um lá-lá-lá qualquer que o professor mandou. Enquanto eu cantava, ouvia as seguintes exclamações desencontradas e estapafúrdias:
- isso! (isso o que, meu Deus, o que foi que eu fiz? pensava eu)
- nããããão! Assim não! (mas eu nem me mexi!)
- solta a mandíbula. (soltei)
- falei solta, não falei abre! (fechei correndo)
- vai lá, solta a mandíbula! (deu um branco, fiquei estatelada, não sei o que fazer)
- ótimo!!! (ótimo???)
- continua assim, muito bom! (meu anjo da guarda, faz com que tudo continue assim, embora eu não saiba tudo o que)
- agora repete igual! (pânico!)
- não, está completamente diferente... (está?)
- novamente: solta a mandíbula aqui nesse ponto, devagar, isso, não canta ainda, sentiu? (NÃO!)
- MUITO BEM! Agora canta assim, com a mandíbula soltinha assim, vamos lá, sem medo, mais voz... (seja o que deus quiser)
- Ótimo! (ah, agora entendi)
- Isso, continua. (ah, bom, então é só fazer assim e...)
- NÃÃÃÃOOOO! (...me ferrar)
- Faz igual a antes, presta atenção, devagar. (ah, desisto, não estou entendendo nada, vou fazer de qualquer jeito)
- Ótimo! Ótimo! Excelente, agora você entendeu (esse cara é louco, meu deus)
Altos. Agora vamos traduzir. O professor do exemplo acima não é louco. Nem personagem de desenho animado. Ele está apenas tentando ser bem sucedido na inglória e hilária tarefa de fazer com que o cantor comande uma musculatura que ele sequer sabe que existe. O bê-a-bá da técnica vocal diz que um cantor deve ter comando voluntário da respiração e aproveitar os ressonadores naturais do corpo (ou seja, ser ouvido e entendido e fazer a voz ter volume sem precisar gritar). Para isso ele deve abrir a garganta, direcionar o som para ali ou acolá (escolas diferentes dizem coisas diferentes), soltar a mandíbula, ter agilidade de dicção e mais fazer coisas específicas para vogais específicas e notas específicas. Claro que se você não é ainda um cantor capaz de fazer tudo isso vai achar que está diante de um mistério total. Tá legal, abrir a garganta, mas COMO ASSIM? Usando algum tipo de aparelho? Usando a força mental? Rezando? Porque esperar que você faça isso por querer, na hora que quiser, ciente do que faz, parece de fato pedir demais a um ser humano.
Calma, tá?
Um bom professor não vai se limitar a dizer a você "faça". Pode criar mil imagens mirabolantes sobre seu corpo, mandar você imaginar que sua mandíbula é um arame preso por um preguinho ou que sua bunda se enche de ar quando você inspira. Por incrível que pareça, isso vai ter algum efeito sobre você. Vai também propor melodias especiais com fonemas especiais em seqüências especiais, mesmo que isso te pareça uma descrição muito chique pra aquelas melodias bobas, irritantes e repetitivas que você deve cantar com uma prosódia ridícula tipo "bababa" ou "bóbóbó". Vai fazer sons prodigiosos e dizer a você que os imite, como se nem desconfiasse que você não vai conseguir imediatamente. Enfim, com a ajuda de Deus, vai mover mundos e fundos e usar todos os seus conhecimentos e imaginação para induzir você a fazer, inicialmente sem querer, alguma coisa que ele possa escutar e dizer o famoso "Isso!" que todos desejamos com todas as forças ouvir de uma autoridade.
O "Isso!"
Não, não é um construto psicanalítico. O Isso! é o momento supremo em que o professor aprova, encoraja e se rejubila com um som que você fez. Mesmo que tenha sido sem querer, também vale. Uma vez obtido o Isso! de seu professor ¾ não pense que já acabou, agora é que vai começar ¾ você deve ser capaz de repetir aquele som e obter outro Isso!. Repeti-lo em seguida, repeti-lo várias vezes, e daqui a pouco, e no dia seguinte, e na semana seguinte, e pro resto de sua vida na hora em que quiser. É, porque não vale pra sempre o som que se fez sem querer.
Aqui entramos no segundo passo:
Você já obteve um Isso! de seu professor :)))))
Mas não sabe o que fez para tanto :((((
E agora?
Você logo vai perceber que um Isso! obtido sem querer é um fenômeno muito fugaz na nossa vida. Você nem sabe o que fez pra merecer aquele instante de glória e agora já passou! Então, abra bem os ouvidos e preste também atenção nas sensações físicas enquanto canta. Sobretudo as sensações que se relacionam com o que o professor falou antes, ou seja, se ele disse "solte a mandíbula", preste atenção nas sensações em áreas próximas à sua mandíbula, ora pois. De ouvidos e sensações abertas, siga em frente até obter novo Isso!. Veja o que pode captar sobre esse momento divino: guarde a lembrança daquele som, daquela sensação ínfima que você achou que não significava nada. E siga em frente. Se os Issos! forem se sucedendo cada vez mais rápido, é porque está quente! Se não, é porque está frio.
Digamos que está frio. O que fazer? Siga as sugestões que recebe. Vá fazendo, mesmo que não entenda bem o que deve fazer. Pergunte, se for o caso, mas não ao ponto de transformar a aula numa conversa. O que você vai perceber ou entender numa conversa não vale grande coisa pra hora de cantar, sinto muito informar. Portanto, cante. Mais cedo ou mais tarde o professor se manifesta, grunhe, ou solta o famigerado Isso!.
Digamos que está quente. Ou seja, os Issos! se sucedem em alta velocidade. Aproveite, preste atenção. Não se iluda, isso não quer dizer que amanhã ou na aula que vem você terá de novo todos esses Issos! Pode ser que eles sumam, desapareçam sem deixar rastros! Mas voltarão. Uma saraivada de Issos! tem grande valor.
Issos! e Aquilos
Esqueça agora o professor. O que você acha de tantos Issos!? Está gostando do som? Se sente melhor na hora de cantar? As pessoas dizem que você está melhorando? Você canta por mais tempo com conforto e consegue fazer coisas que não conseguia antes? Não fica rouco com tanta freqüência ou nem fica mais rouco? Está conseguindo aprender o que queria? Se nem tudo isso merece um sim como resposta, converse com seu mestre-com-carinho, com alunos dele, com outros professores, com outros cantores e tente entender porque a aula não está indo pra onde você queria. Pode ser que seja questão de tempo. Se você escolheu um professor que parece bom e/ou foi recomendado, sugiro que experimente ficar com ele por pelo menos 20 aulas, sobretudo se você é iniciante. Mas também pode ser que esse professor não seja bom ou simplesmente não combine com você (ou você com ele) e nesse caso é melhor procurar outro.
Agora se, em relação às perguntas anteriores, você acha que sim sim sim, está tudo indo de vento em popa, dê um Isso! a seu professor! Ele merece!
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br
O cantor na oficina mecânica
Suely Mesquita
Levei meu carro no mecânico, tava bebendo muita gasolina.
Levantou o capô do carro e disse:
- liga aí.
Liguei.
- ah, claro, ouve só, ele tá fazendo VRRROOOMM, ouviu?
Não ouvi coisa nenhuma e dei um sorrisinho amarelo.
- agora você vai ver a diferença.
Meteu meio corpo pra dentro do monte de ferros e gritou meio abafado:
- liga aí!
Liguei.
- pronto, é só isso, vou mexer na posfdsiodfalk e apertar o dfoaijdj e ele vai ficar assim, fazendo VRRRUUMMMM, sacou?
Não saquei.
Mas o cara era um didata! Não se conformou.
- como não sacou? Ele tava fazendo VRRROOOMM, agora tá fazendo VRRRUUMMMM, você não ouve diferença???
- não ouço nada, pra mim é tudo igual. Quero saber é se vai parar de beber toda essa gasolina.
- Claro que vai! Não, ouve só, péra aí.
Voltou pro capô, mexeu, mandou ligar, mostrou o VRRROOOMM, mexeu, mandou ligar, mostrou o VRRRUUMMMM. Voltou vitorioso, com um sorriso triunfante:
- viu?
Não vi nada. Mas disse ah, é, agora sim. E fui embora.
Assim como eu fazem alguns cantores que chegam pra ter aula de técnica vocal. O cara ou a mina faz VRRROOOMM, eu falo, solta a mandíbula. Aí ele faz VRRRUUMMMM e eu digo: há há! Triunfante e vitoriosa, olha lá a total diferença. O cantor me olha como se eu fosse transparente. É melhor não insistir muito de uma vez, ou ele diz que sim, que ouviu, claro, pois não, cadê meu boné? Tenho que me conformar um pouco, por um tempo. Não se abre à força o ouvido de ninguém pra que aprenda a discriminar e distinguir timbres. E se eu posso sair da oficina e esquecer o assunto, porque diabos o pobre cantor tem que ficar ali tentando distinguir VRRRUUMMMM de VRRROOOMM?
Seguinte, meu chapa: seu corpo não é um carro e você não é um motorista de fim de semana. Não dá pra ir na esquina comprar peça de reposição. Uma aula de canto não é um lugar onde você fica passivo enquanto eu troco uma peça e digo prontinho, pode sair sem entender nada e seja feliz. Isso sem falar que na qualidade do seu VRRROOOMM tem muito mais coisa em jogo do que na voz do motor do meu carro. Se você não ouve a diferença, a platéia ouve, pode estar certo. Mesmo que não saiba dizer porque tal cantor é irado e tal outro... tal outro, é... pode crer... valeu... pinta lá.
Posso dizer até que, enquanto você não ouve certas diferenças, a aula nem começou. Estamos no aleatório, você canta daí, eu falo daqui e ninguém se entende de verdade, estamos na base da simpatia. Então paciência comigo. Se você não escuta a diferença entre VRRROOOMM e VRRRUUMMMM, escute novamente. E novamente, e novamente, e novamente. Não demora muito, quando você estiver simplesmente escutando e já tiver desistido de tentar discriminar, plum. Salta aos seus ouvidos a tal diferença e você fica entre "Uau! Eureka!" e "puxa, mas era só isso?". E vamos assim, de nada em nada, de detalhe em detalhe, de ínfimo em mínimo, construindo uma coisa inteiramente nova que será uma voz mais versátil, livre, saudável, expressiva, para você brincar à vontade com ela. Tipo um upgrade.
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br
Suely Mesquita
Levei meu carro no mecânico, tava bebendo muita gasolina.
Levantou o capô do carro e disse:
- liga aí.
Liguei.
- ah, claro, ouve só, ele tá fazendo VRRROOOMM, ouviu?
Não ouvi coisa nenhuma e dei um sorrisinho amarelo.
- agora você vai ver a diferença.
Meteu meio corpo pra dentro do monte de ferros e gritou meio abafado:
- liga aí!
Liguei.
- pronto, é só isso, vou mexer na posfdsiodfalk e apertar o dfoaijdj e ele vai ficar assim, fazendo VRRRUUMMMM, sacou?
Não saquei.
Mas o cara era um didata! Não se conformou.
- como não sacou? Ele tava fazendo VRRROOOMM, agora tá fazendo VRRRUUMMMM, você não ouve diferença???
- não ouço nada, pra mim é tudo igual. Quero saber é se vai parar de beber toda essa gasolina.
- Claro que vai! Não, ouve só, péra aí.
Voltou pro capô, mexeu, mandou ligar, mostrou o VRRROOOMM, mexeu, mandou ligar, mostrou o VRRRUUMMMM. Voltou vitorioso, com um sorriso triunfante:
- viu?
Não vi nada. Mas disse ah, é, agora sim. E fui embora.
Assim como eu fazem alguns cantores que chegam pra ter aula de técnica vocal. O cara ou a mina faz VRRROOOMM, eu falo, solta a mandíbula. Aí ele faz VRRRUUMMMM e eu digo: há há! Triunfante e vitoriosa, olha lá a total diferença. O cantor me olha como se eu fosse transparente. É melhor não insistir muito de uma vez, ou ele diz que sim, que ouviu, claro, pois não, cadê meu boné? Tenho que me conformar um pouco, por um tempo. Não se abre à força o ouvido de ninguém pra que aprenda a discriminar e distinguir timbres. E se eu posso sair da oficina e esquecer o assunto, porque diabos o pobre cantor tem que ficar ali tentando distinguir VRRRUUMMMM de VRRROOOMM?
Seguinte, meu chapa: seu corpo não é um carro e você não é um motorista de fim de semana. Não dá pra ir na esquina comprar peça de reposição. Uma aula de canto não é um lugar onde você fica passivo enquanto eu troco uma peça e digo prontinho, pode sair sem entender nada e seja feliz. Isso sem falar que na qualidade do seu VRRROOOMM tem muito mais coisa em jogo do que na voz do motor do meu carro. Se você não ouve a diferença, a platéia ouve, pode estar certo. Mesmo que não saiba dizer porque tal cantor é irado e tal outro... tal outro, é... pode crer... valeu... pinta lá.
Posso dizer até que, enquanto você não ouve certas diferenças, a aula nem começou. Estamos no aleatório, você canta daí, eu falo daqui e ninguém se entende de verdade, estamos na base da simpatia. Então paciência comigo. Se você não escuta a diferença entre VRRROOOMM e VRRRUUMMMM, escute novamente. E novamente, e novamente, e novamente. Não demora muito, quando você estiver simplesmente escutando e já tiver desistido de tentar discriminar, plum. Salta aos seus ouvidos a tal diferença e você fica entre "Uau! Eureka!" e "puxa, mas era só isso?". E vamos assim, de nada em nada, de detalhe em detalhe, de ínfimo em mínimo, construindo uma coisa inteiramente nova que será uma voz mais versátil, livre, saudável, expressiva, para você brincar à vontade com ela. Tipo um upgrade.
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br
Manual da rouquidão para cantores
Suely Mesquita
E aí você tem show amanhã. Mas tá rouco! E agora?
Se você já foi esperto, se cercou de uma equipe de apoio ¾ professor de canto, otorrino, fonoaudiólogo ¾ e sabe a quem recorrer numa hora dessas. Se não pensou nisso, siga o:
S.O.S. (Sistema Ocasional de Salvamento)
1) Beba bastante água. Dois litros por dia ou mais.
2) Durma o suficiente, nada de virar noites. Massagem é bom.
3) Evite ar condicionado, fumaça, poeira, mofo e qualquer tipo de cigarro. Beba mais água pra cada ítem que não conseguir evitar.
4) Cancele qualquer ensaio. Se não der, cante o menos que puder, com suavidade, e se guarde para o show.
5) Fale menos. Fuja de telefones e lugares barulhentos.
6) Faça aquecimento vocal antes da passagem de som e antes do show. Se não souber como, não invente. Faça o que já conhece.
7) Seja objetivo e breve na passagem de som.
8) A voz não é tudo no palco: você tem a cena, a interpretação, a banda. Faça o melhor que puder. Cássia Eller, Marisa Monte, Beth Carvalho, Gilberto Gil, Rita Lee e outros artistas já passaram por isso.
9) Depois do show, procure um preparador vocal ou professor de canto. Se continuar rouco por mais de uma semana, procure um otorrino atualizado em problemas vocais.
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br
Comments by: YACCS
Suely Mesquita
E aí você tem show amanhã. Mas tá rouco! E agora?
Se você já foi esperto, se cercou de uma equipe de apoio ¾ professor de canto, otorrino, fonoaudiólogo ¾ e sabe a quem recorrer numa hora dessas. Se não pensou nisso, siga o:
S.O.S. (Sistema Ocasional de Salvamento)
1) Beba bastante água. Dois litros por dia ou mais.
2) Durma o suficiente, nada de virar noites. Massagem é bom.
3) Evite ar condicionado, fumaça, poeira, mofo e qualquer tipo de cigarro. Beba mais água pra cada ítem que não conseguir evitar.
4) Cancele qualquer ensaio. Se não der, cante o menos que puder, com suavidade, e se guarde para o show.
5) Fale menos. Fuja de telefones e lugares barulhentos.
6) Faça aquecimento vocal antes da passagem de som e antes do show. Se não souber como, não invente. Faça o que já conhece.
7) Seja objetivo e breve na passagem de som.
8) A voz não é tudo no palco: você tem a cena, a interpretação, a banda. Faça o melhor que puder. Cássia Eller, Marisa Monte, Beth Carvalho, Gilberto Gil, Rita Lee e outros artistas já passaram por isso.
9) Depois do show, procure um preparador vocal ou professor de canto. Se continuar rouco por mais de uma semana, procure um otorrino atualizado em problemas vocais.
Suely Mesquita é cantora, compositora e preparadora vocal. Já trabalhou com Pedro Luís e a Parede, Seu Jorge, Gabriel Moura, Dulce Quental, Fernanda Abreu e outros artistas. Contatos: pv@suelymesquita.com.br